Senta Que Lá Vem Historia.
Fez-se silêncio quando a senhora entrou na sala, como se a alegria respeitosamente desse licença para a dor passar.
Encharcada até a altura dos joelhos e andando com o auxílio de muletas, a mulher avançou até onde estávamos.
Seus cabelos grisalhos denunciavam a idade avançada, e os olhos lacrimejantes não deixavam dúvidas do sofrimento intenso.
Enfrentara chuva e frio àquela hora da manhã, não devia estar ali a passeio.
Com dificuldade devido aos soluços, balbuciou um pedido de ajuda: precisava comprar remédios para o filho gravemente enfermo.
Recomendamos a Unidade de Saúde, ou a Farmácia Municipal, ambas situadaas ao lado de nossa instituição.
Mas era dali que vinha a desesperada senhora, dispensada de mãos vazias devido à falta de medicação, tornando-se mais uma vítima do caos da saúde pública.
Mostrou-nos a receita, eram caros os remédios. Sugerimos intervenção judicial, para o que obtivemos imediata resposta: já tentara o recurso, mas fora alertada a respeito da morosidade da justiça e, de fato, não podia esperar
– com risco de agravamento na situação do filho, se não começasse com urgência o tratamento médico prescrito.
Não se tratava de uma criança, o filho era adulto e sofria as conseqüências de escolhas erradas feitas na vida.
Mas isso impediria uma mãe de tentar salvá-lo?
De pegar suas muletas e, debaixo de chuva torrencial, enfrentar o que quer que fosse para amenizar-lhe as dores e diminuir-lhe o sofrimento?
Humilhou-se, solicitando o que mais temem os humanos: doações voluntárias.
Nós, meros mortais, julgamos primeiro e ajudamos depois – se o ilustre cidadão passar em nosso teste criterioso de ‘dignidade da ajuda’.
Se não passar, que expie por seus pecados! Afinal, tamanhas dores só podem ser castigos dos céus...
A saída cômoda pela tangente, numa situação assim, é responsabilizar o governo – que é justamente o primeiro a furtar-se de suas responsabilidades.
Mas quem não sabe disso? A idosa realmente não precisava ser lembrada desse detalhe, não naquele momento: precisava apenas do medicamento.
Simples assim.
Além disso, como sociedade temos opinião formada e contrária à doação de esmolas, a ideia é ensinar a pescar o peixe.
O problema é que existem casos tão urgentes que não disponibilizam tempo para ‘instruções de pescaria’: ou o auxílio é imediato, ou não precisa mais ser feito.
Não trabalho em instituição filantrópica, portanto não conseguimos os remédios dos quais a senhora tanto precisava.
Mas dentre todas, houve uma colega de alma generosa que, sem muita conversa, atravessou a rua e comprou a medicação indicada.
Não julgou, foi e fez. Não considerou útil realizar uma sindicância de vida pregressa para saber se a idosa merecia o auxílio, simplesmente escolheu fazer o bem, conforme suas possibilidades.
A mulher foi embora na chuva, arrastando-se com as muletas, e ainda chorando.
Mas posso apostar que as lágrimas agora eram de gratidão e de esperanças renovadas no coração de uma mãe.
Ficou de tudo pelo menos uma grande lição: a parábola O Bom Samaritano, contada por Jesus Cristo, continua em pleno vigor, sobretudo nestes tempos conturbados em que vivemos.
Quem quer fazer o bem, sempre acha um jeito. Quem não quer, além de não fazer nada, critica e bota defeito:
ora julgando o necessitado, ora culpando o governo, a lentidão da justiça, o Deus dos céus...
Tão fácil ser cheio de argumentos e opiniões quando se está saudável e comodamente sentado, abrigado da chuva e do frio, numa sala com calefação!
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