Quais janelas foram fechadas e quais janelas estão abertas ou podemos abrir?
Isolamento social é necessário! E por isso estamos impedidos de circular, aglomerar, abraçar, beijar, pegar no colo, visitar, encontrar pessoalmente, etc. Somos seres de contato, do convívio pessoal. Nós seres humanos, somos seres grupais!
E neste momento, uma de nossas principais características encontra-se suspensa, em stand by, fazendo-nos repensar quem somos. Afinal, o que está acontecendo? Por que está acontecendo? Para onde tudo isso nos levará? Quanto tempo isso irá durar? E tantas outras perguntas.
Já sabemos que ninguém está imune ao coronavírus, mas que alguns grupos serão mais vulneráveis a ele, podendo levar a consequências fatais. A forma de nos defendermos passou a ser um exercício coletivo de proteção. Estamos todos sendo instruídos a nos unirmos para melhor enfrentarmos o vírus, fazê-lo circular o mínimo possível até que surjam formas efetivas de eliminá-lo, como vacina e medicamentos.
Com isso em mente, proteger a nós mesmos passou a ser proteger o outro. Os cuidados são inúmeros, a ponto de ficarmos perdidos nesse “novo normal”. Pois, em geral, nosso processo de aprendizagem parte da busca de registros já existentes, porém na atual situação, esse método não está sendo muito eficaz, já que nunca vivemos nada parecido e estamos tendo que adaptar toda uma realidade de forma extremamente rápida.
As pandemias se caracterizam pelo caos social e mudanças de comportamento, e no caso da Covid-19, a rápida disseminação de informações sem discriminação do que é verdadeiro e factível, daquilo que é falso ou não comprovado cientificamente, vem de todos os lados e fontes. Com isso podemos dizer que estamos rodeados de informações místicas, religiosas e também científicas.
Todos tentando encontrar uma explicação que determine “nossa salvação” ou ainda alguém ou algo que assuma aquela posição tão conhecida das crianças, de encarregar uma autoridade – como os pais – para darem conta. Na vida adulta tendemos a repetir essa busca, mas hoje está difícil que esse papel seja ocupado. Nosso desejo seria que a ciência pudesse ocupar esse papel de autoridade, porém nem mesmo ela está sendo tão efetiva e rápida como estamos desejando. O fato é que percebemos que um vírus pode ser maior do que nós, apesar de seu tamanho microscópico.
Temos aprendido durante o processo, e conjuntamente com os cientistas. Suas tentativas estão acontecendo mundo afora e, enquanto isso, estamos seguindo algumas novas normas de convívio e higiene, buscando minimizar os efeitos e perdas. Perdas não só de entes queridos e conhecidos, mas perdas em geral, de espaço, de tempo, de planos e de certezas.
Como devemos nos posicionar diante do momento atual? Qual nossa parte?
Temos que pensar e nos reprogramar, olhar e buscar a garantia de conquistas fundamentais. Algo como encontrar novos significados, reconfigurar parâmetros, redefinir metas e aprender novas formas de convivência.
O tempo passou a ser, aparentemente, algo a ser reconsiderado a partir de agora. Teremos que buscar através da criatividade outras formas de configurá-lo. Algo novo, respostas novas! Parece fácil, não é? Mas só parece!
Mudar, readaptar-se à situação exige alternativas, e muitas vezes não queremos a mudança, queremos voltar ao jeito anterior. Se existe algo que já aprendemos com tudo isso, além de que precisamos contar uns com os outros, é que não voltaremos para o mesmo lugar. Talvez isso gere desconforto, porém também estamos nos dando conta que tudo isso poderá nos levar a um lugar melhor. Querendo ou não, as mudanças estão acontecendo!
Dizem que o planeta está melhor. Que nosso afastamento tem gerado frutos importantes na vida dos outros seres que aqui habitam. Mares, rios, florestas, animais, ar, todos estão demonstrando aspectos positivos. Ganhos nossos indiretos, pelo simples fato de nos afastarmos!
Os artistas que tão bem encontram alternativa para sublimar conflitos estão, a partir de suas casas, entrando nas nossas, para nos proporcionar espetáculos nunca vividos antes. Outros têm levado sua arte em caminhões que cruzam as ruas desertas e enchem as varandas e janelas de espectadores. As pessoas passaram a se relacionar de suas sacadas, ou fazem reuniões virtuais, encontrando assim possibilidades de reencontros. Todos encontrando um jeito de se reinventar, de casa!
Trabalhos voluntários estão fazendo chegar àqueles que tinham pouco ou nenhum acesso, alimento, vestuário, atendimento médico, psicológico. Nós mesmas, estamos participando de atendimentos voluntários, na modalidade remota.
As famílias estão convivendo, como muitas vezes não tinham oportunidade de fazer, e descobrindo que nem sempre é fácil estar junto no mesmo ambiente por tanto tempo. Pais e mães estão tendo que agregar trabalhos home office, com aulas online dos filhos, brincadeiras, afazeres domésticos; tudo ao mesmo tempo e em um mesmo espaço. Outras famílias estão se unindo para encontrar formas de suprir o desemprego com alguma atividade extra. E, junto a tudo isso, todos administrando as dificuldades oriundas dos relacionamentos, naturais do convívio.
Estamos nos reservando a falar sobre os problemas mais comuns, mas temos ainda problemas extremos, aqueles que deflagram a violência doméstica, o aumento da ingestão de álcool e drogas ― problemas que se intensificaram com o isolamento. E as redes sociais que estão à disposição para nos ajudar a suprir parte importante das perdas, estão também colocando nossas crianças diante de mais riscos.
Enfim, há um grande exercício de tolerância e esforço de todos. Nossa consciência deve estar atenta, pois somente ficar em casa não nos garante cuidados absolutos! Nunca estivemos tão próximos e empenhados numa tarefa conjunta. Contamos com a solidariedade e a praticamos.
Atentemos aos avós que antes eram, além de figuras amorosas, também muito úteis como “braços” na ajuda de dar conta das necessidades dos netos. Hoje estão resguardados em suas casas, recebendo visitas virtuais. E os que moram sozinhos, talvez nunca tenham estado nas chamadas online, como atualmente.
E seguimos pensando no tempo! Quanto tempo? Como ocupá-lo, como organizá-lo?
Cada um terá que descobrir, mas isso nos fez lembrar do filme Feitiço do Tempo (1993), no qual o personagem principal acorda sempre no mesmo dia. No início resistiu a acreditar, irritou-se muito, brigou com todos e principalmente com ele mesmo, até que resolveu aproveitar para fazer algo diferente e desta forma, algum tempo depois acordou no dia seguinte.
Esse simbolismo pode ser a mensagem central: “O que podemos fazer enquanto não acordamos no dia seguinte?”, ou ainda: “O que podemos fazer para conseguirmos acordar no dia seguinte?”.
Apesar desta pergunta estar clara agora, podemos dizer que algumas citações acima demonstram que já começamos a aproveitar estes novos tempos. Afinal, estamos quebrando alguns tabus e como tal sempre se abrem muitas perguntas. Algumas respostas somente virão com o tempo, a partir de muito estudo, investigação e reflexão.
Entretanto, acreditamos que a saúde mental poderá contribuir muito para este “acordar”. Um dos aspectos para este enfrentamento necessitará da condição mental de cada um. Momentos de crise como este, onde muitas emoções se acumulam, fica mais complicado lidarmos sozinhos. Os adultos estão mais aparelhados para administrarem tais momentos, porém muitos precisam dar conta de seus filhos, que por sua vez necessitam de um ambiente acolhedor.
Para tanto, esses adultos precisam estar bem. Todos estamos expostos às consequências do que estamos vivendo. Afinal, estamos diante da consciência de uma finitude possível e de ameaças reais, com isso temos que lidar com medos, ansiedades, preocupações e incertezas, nossas e de outros. As emoções estão em estado de ebulição, novos pensares, novas constatações vão ocupando ou se juntando a espaços antigos.
Sabemos que estamos vivendo algo comum a todos e podemos comprovar à medida que olhamos de longe, porque ao olharmos de perto veremos que a intensidade e o sentir desse novo momento podem ser distintos. Os barcos são vários, apresentam diferentes tamanhos, velocidades etc., mas com certeza estamos todos na mesma tempestade!
Para tanto, nós profissionais da Psicologia, que também estamos juntos vivendo essa pandemia, precisamos igualmente nos reinventar e nos adaptar para podermos continuar ajudando os nossos pacientes e seus familiares. Nossas consultas presenciais, tão conhecidas por todos, nesse momento, não estão recomendadas, e, portanto, nossa atividade profissional está acontecendo através da modalidade online.
Modalidade esta que não é novidade, a própria Psicologia Viva está aí para comprovar o dito e também a necessidade. No entanto, o momento atual abre e amplia este formato: podemos dizer que estamos chegando mais longe, na casa de muitos.
Juntos chegaremos num lugar novo, aliás ele está aí, teremos baixas, teremos desacomodações, teremos descobertas e precisaremos uns dos outros. As crianças, que muito mais futuro têm pela frente, precisam ser cuidadas e acompanhadas nessas vivências, para poderem entender, segundo sua linguagem, o que estamos passando. Sem muita exposição às angústias, mas sem negações. Pois serão elas as que no futuro terão que ser capazes de lidar com o novo. Algo dos registros que estamos fazendo será importante para que as gerações seguintes estejam habilitadas a enfrentar os novos momentos que virão.
Como civilização, teremos que estar conscientes do nosso tamanho, nosso papel, nossas capacidades como habitantes de um espaço onde outros também habitam. Além desta percepção também saberemos que juntos somos mais fortes e que pensar no próximo é também a garantia de ter um lugar no pensamento do outro.
Serve lembrar que conforto, aconchego, colo, carinho, abraço seguem sendo “alimentos” fundamentais da alma, sejam eles físicos ou virtuais.
Por isso, cuidar da nossa saúde e da dos demais é cuidar do corpo e da mente, eles são elementos de um ser!