A vida muda, e com ela nós mudamos também.
Tão depressa ela é extraordinária, para depois se tornar insuportável e logo depois apenas normal, simples, banal.
A vida muda, e com ela nós mudamos também.
Tão depressa ela é extraordinária, para depois se tornar insuportável e logo depois apenas normal, simples, banal.
A Criatura Humana é Muito Especial.
Ao lado das virtudes que procura desenvolver, a duras penas, há umas tantas tormentas de difícil liberação.
Dentre essas tormentas, que muito infelicitam a vida do indivíduo no mundo, está a dificuldade em perdoar. É muito complicado perdoar.
A criatura humana, no relacionamento com as outras, em várias oportunidades, vai se deparar com a necessidade de lançar mão do perdão. E aí, as coisas ficam difíceis porque, costumeiramente, não temos hábitos de nos perdoar. E, se não temos hábito de nos perdoar, será muito complicado poder perdoar aos outros.
E, Por que é que não temos o costume de nos perdoar?
Esse autoperdão tem que começar a partir do momento que eu goste de mim, que eu me valorize, que eu tenha consciência das coisas que fiz e porque as fiz, e o desejo de acertar.
Naturalmente, quando nós pensamos nisso, vemos a presença do orgulho, porque o indivíduo pensa quase sempre: Eu não posso errar.
Mas, como é que não podemos errar, se nós fazemos parte deste planeta onde tantas coisas ocorrem, tantas necessidades existem? Como é que eu não posso errar?
Se estou em fase de aprendizado, de crescimento, estou nas lutas por desenvolver minhas potencialidades, por que é que eu não posso errar?
Todas as vezes em que pomos na mente que não podemos errar, é a presença do orgulho, porque nós podemos errar.
A preocupação deveria ser: Eu não gostaria de errar. Eu não deveria errar. Mas o poder errar é uma situação inerente à condição humana na Terra.
Nós, temos tanta ignorância das coisas, desconhecemos tantas outras coisas e estamos submetidos a tantas pressões que, em dado momento, é passível que cometamos erros. Então, não vale a pena colocar na cabeça que nós não podemos errar.
A partir do momento em que eu admita que eu posso errar e procurarei não errar de propósito, para que o meu equívoco não se converta num erro, eu estou dando chances ao ser humano que eu sou, para que EU cresça, para que eu me desenvolva, para que eu me ilumine, para que eu em aprimore.
Desse modo, perdoar-nos é fundamental para que não saiamos arrastando complexos de culpa.
É muito complicado quando as criaturas arrastam consigo essa cruz do mundo, chamada complexo de culpa, porque na culpa o indivíduo não vê saída, na culpa ele vê apenas punição.
O indivíduo passa a admitir que ele tem que sofrer para resgatar a culpa. Mas, se o sentimento é de culpa, por mais que ele sofra, por mais que ele pague, se sentirá sempre atormentado.
Desse modo, quando nós passamos a gostar um pouco de nós próprios, admitimos que não há espaço para essa autocondenação, não há nenhuma necessidade de apelarmos para o complexo de culpa.
Quando nós pensarmos bem sobre a nossa vida e ações no mundo, iremos pensar nas responsabilidades. Isto sim faz parte da criatura humana adulta: refletir sobre responsabilidades.
Tudo que eu faço, tudo que eu quero, tudo que eu realizo, tudo que eu empreendo, está sob minha responsabilidade. Mas, aí não há nenhum sentido em culpa, uma vez que as coisas estão sob minha responsabilidade.
Se eu errar, tratarei de corrigi-las. Se errar contra pessoas, pedirei desculpas, pedirei perdão, mas só depois que eu souber me perdoar.
Quando eu cometer algum equívoco, eu vou sanar esse equívoco, em nome da responsabilidade que eu tenho com as coisas e com as pessoas.
Daí, vale a pena pensar que não há sentido em albergarmos na alma esse sentimento autopunitivo porque ele não nos levará a nada, não nos levará a lugar algum que não seja ao sofrimento, à amargura cada vez mais crescente.
Vale, então, a pena começarmos a gostar um pouco de nós, a nos respeitar. Não é colocar debaixo do tapete os nossos erros, não é tentar justificar a todo custo nossos equívocos, é ter essa consciência de que se nós cometemos erros, eles fazem parte desse estágio que estamos desenvolvendo no planeta.
E, por causa disto, não há nenhuma razão para que não nos perdoemos, para que não nos demos uma nova chance e, quando aprendermos a fazer isto conosco, teremos abertura para fazer isto com o nosso semelhante.
* * *
Quando conseguirmos perdoar ao nosso semelhante teremos dado um passo qualitativo importantíssimo para a nossa existência porque perdoar ao outro é uma demonstração tão grandiosa de nosso crescimento, porque nós perdoamos quando guardamos mágoa de alguém, quando temos raiva de alguém.
E perdoar é sair dessa mágoa, sair dessa raiva. Só há sentido em perdoar alguém quando eu estava aborrecido com esse alguém, quando eu tinha alguma coisa contra esse alguém e, agora, não tenho mais. E por causa disto, nós vamos perdoar.
Algumas pessoas dizem que para perdoar é necessário que nós esqueçamos o que a pessoa nos fez, o que sofremos por parte de alguém, de alguma instituição. Mas, as coisas não podem ser propriamente assim.
Como é que nós vamos esquecer uma coisa que está presente em nós? Digamos que alguém nos haja ferido, nos amputado um dedo, um braço, como é que eu vou esquecer disto para poder perdoar?
Imaginemos uma mãe que tenha tido seu filho assassinado por um homicida qualquer. Como é que ela vai esquecer esse episódio? Como é que ela esquecerá que o filho, ou que o ente querido foi assassinado?
Logo, essa proposta de esquecer, ela não é intelectual, ela não é inteligente, ela é parva, ela é tola. O que ocorre é que nós trataremos de mudar o valor que dávamos a essa situação.
Quando crescemos, nos tornamos adultos e conversamos com nossos pais, eles são os eiros e vezeiros em lembrar os episódios da nossa infância em que cometíamos artes, peripécias, quebrávamos as peças da casa, os vasos de porcelana de nossa mãe, objetos caros de nossos pais. Levávamos uma boa sova, ficávamos com raiva deles.
Mas, quando crescemos, contamos as mesmas peripécias sorrindo um para o outro. Os pais dizem: Como você era sapeca. Como você era arteiro. Como você era danado... com outra disposição de alma. Ninguém esqueceu dos episódios mas, o valor que se deu a ele no dia do acontecimento, e o valor que se dá a ele agora, na adultez, isso é que se modificou.
De modo que, para perdoarmos alguém, precisamos mudar o valor que a gente dá a essa situação. Não alimentar, não fomentar o episódio vivido.
Se alguém nos disse alguma coisa que nos desagradou, que nos feriu, que nos magoou, não deveremos ficar presos a essa mágoa, a essa palavra que ouvimos.
Quantas vezes dizemos às pessoas coisas que magoam as pessoas, coisas que não gostaríamos nós próprios de ouvir.
Por causa disso, vale a pena fazer esse esforço por abrir mão da mágoa, da raiva, do ódio, da indiferença para que possamos, ao nos perdoar, ao entender a nossa possibilidade de cometer erros, mesmo involuntariamente, os outros também podem cometer erros, involuntariamente ou voluntariamente.
Quando pensamos em perdão e no verbo perdoar, não podemos esquecer de suas bases latinas, porque perdoar provém de dois termos do latim: per mais donare. Per quer dizer além de, para mais além de, enquanto que donare é doar, é dar.
Então a palavra perdoar significa dar alguma coisa além, dar além de, dar algo mais.
E, se prestarmos atenção nos ensinamentos de Jesus Cristo, em dado momento,Ele diz assim:
Àquele que te bater numa face, apresenta também a outra.
A ideia do perdão. Se alguém nos agride de fora para dentro, nos bateu numa face, que a gente apresente a outra face, a face interna, onde existe o perdão porque, se alguém me bate numa face e eu apresento a outra, eu estou dando alguma coisa mais.
Se alguém te pedir que caminhes mil passos com ele, caminha dois mil.
A ideia de Cristo de darmos sempre um pouco mais, o perdão.
Aquela pessoa que pede que a gente caminhe mil passos é a pessoa complicada, difícil, atormentada, e aí nós fazemos um pouco além. Quando perdoamos, fazemos sempre um pouco além.
No mesmo ensinamento nos diz o Mestre Galileu:
Se alguém te pedir a capa, dá também a túnica.
Encontramos nesse ensinamento de Jesus e, em vários outros, esse conceito de dar além, de dar um pouco mais.
Alguém que nos bate na face, alguém que nos pede mil passos, alguém que nos pede a capa, é alguém que está pedindo um sacrifício nosso: dar a outra face, caminhar mil passos, dar a peça que nos reveste.
Então o Cristo ensina que deveremos dar além, dar um pouco mais, perdonare. E por causa disso, o perdão é o remédio santo, como encontramos nos Evangelhos.
É graças a esse gesto de perdoar, de dar além, que nós sentimos uma paz imensa por dentro da alma, que nos sentimos integrados a essa constelação de amores da qual faz parte Jesus.
E perdoando não carregamos lixo na alma, vivemos em paz, distribuindo paz, por onde quer que passemos.
Transcrição do Programa Vida e Valores, de número 134, apresentado
por Raul Teixeira, sob coordenação da Federação Espírita do Paraná.
Programa gravado em janeiro de 2008. Exibido pela NET, Canal 20,
Curitiba, no dia 17 de maio de 2009.
Em 20.9.2021
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar.
Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades…
As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor.
Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava.
Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…
— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores.
Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…
E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira.
Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga.
As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia.
E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades.
E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios…
E o meu encanto precisa da saudade.
É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas.
Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu.
A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria.
E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá.
Será meu para sempre.
Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu.
Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu.
O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste.
E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar.
Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito.
Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.
* * *
Para o adulto que for ler esta história para uma criança:
Esta é uma história sobre a separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus…
Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade.
Tudo se enche com a presença de uma ausência.
Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas…
Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre… Para que não haja mais partidas…
Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas.
A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços.
Esta história, eu não a inventei.
Fiquei triste, vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida… E a história simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta.
Para quê uma história? Quem não compreende pensa que é para divertir. Mas não é isso.
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano.
Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. Com isto, angústias e medos ficam mais mansos.
Claro que são para crianças.
Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão…
O laço mais lindo da vida é sempre o de uma família unida e repleta de amor. A família é uma árvore de amor Existem no mundo diferente...