“Tudo depende do ponto de vista!”
Quem já não ouviu essa frase ou não a proferiu pelo menos uma vez? Como uma sentença mágica, ela é capaz de abafar dúvidas e apaziguar ânimos, relativizar realidades e resguardar reputações. Se duas ou mais pessoas divergem sobre alguma coisa, então não necessariamente uma está certa e a outra ou as demais erradas. Depende, pois, do ponto de vista.
Dizem que os primeiros portugueses a aportar em terras tupiniquins ficaram horrorizados ao saber que certas tribos indígenas matavam e comiam seus oponentes. Já os nossos antropófagos de então ficaram horrorizados ao saber que os recém-chegados matavam e não comiam seus oponentes. Questão de ponto de vista...
Mas será que podemos relaxar sob a proteção dessa expressão que, diante de dúvidas, deixa a verdade absoluta fora de cogitação e sempre ao sabor da visão pessoal? Será que não haveria um risco oculto em utilizar indistintamente variados pontos de vista para todas as divergências pessoais, como se certas coisas pudessem estar certas e erradas ao mesmo tempo? Ou não tivessem uma acepção clara e definida?
Opiniões divergentes podem indicar um conhecimento parcial de determinado assunto. A história dos três cegos convidados a descrever um elefante apenas pelo tato, ilustra isso. Para um deles o elefante era um animal parecido com um abanador, para outro era semelhante a um tronco de árvore, e para o terceiro era uma espécie de serpente que se enrolava no braço. Cada um deles estava certo ou errado? Ou certo e errado? Talvez fosse mais adequado estipular que cada um obteve um conhecimento parcial e pessoal da verdade. Porém, se cada qual ouvisse com interesse a opinião dos outros dois, um conceito mais próximo da realidade poderia surgir em sua imaginação.
Para além dessa anedota observamos, no entanto, que muitos pontos de vista apresentam-se diametralmente opostos, incapazes de complementarem-se num todo coeso, mesmo com os melhores esforços. O que fazer nesse caso? A realidade nem sempre se deixa iluminar em sua totalidade por espíritos humanos em processo de desenvolvimento como nós, e mesmo pessoas de melhor índole a enxergarão sempre sob o prisma pessoal, ainda que se esforcem em ver a questão da maneira mais acurada e isenta possível.
Mas se não somos capazes de “ver” a realidade última das coisas, podemos ao menos nos aproximar dela fazendo uso da intuição – a voz do espírito –, a qual, ao contrário do raciocínio calculista, dispõe da faculdade de “enxergar” as coisas além do meramente terrenal. Além disso, devemos também dar atenção às considerações de nossos semelhantes, capacitados a observar as coisas pelo filtro de suas próprias vivências e intuições. Humildade é a palavra-chave que nos possibilita aproximar um pouco mais da realidade, repleta de peculiaridades, em que se assenta o mundo em que vivemos.
Sim, porque cada qual enxerga o mundo segundo sua própria disposição interior, de acordo com o estado de sua alma e o grau de evolução de seu espírito. Cada um de nós percebe o ambiente de uma maneira toda pessoal e única. Mesmo quando duas pessoas são unânimes, por exemplo, em testemunhar a beleza de um cenário da natureza, uma obra de arte ou uma peça musical, cada uma delas o verá e perceberá de uma maneira toda particular. A mesma música, que todos concordam em qualificar de bela, atuará também de maneira distinta em cada um, segundo seu estado interno no momento, suas características pessoais e sua trajetória de vida. O que cabe no âmbito da percepção humana estará sempre sujeito a essas variações, assim como diversas lentes traduzem um mesmo objeto de formas diferentes, sem que o objeto em si – a realidade última – se altere por causa disso.
Quem enxerga alguma coisa de modo totalmente pessoal é, pois, a alma individual, ou, mais precisamente, o espírito. Por isso, quanto mais amadurecido se tornar um espírito em seus caminhos de evolução, quanto mais ciente tornar-se da atuação das leis universais, ou leis da Criação, e, principalmente, quanto mais incondicionalmente se ajustar a elas, tanto mais e melhor será capaz de ver as coisas em sua realidade. Assim, tanto mais da beleza e da perfeição do mundo será também capaz de reconhecer e perceber, por estar em sintonia com realidades cada vez mais elevadas. Estivessem os três cegos cônscios de suas capacidades de percepção e imbuídos do desejo de compreenderem de fato a realidade diante deles, suas percepções se aproximariam mais, amenizando divergências – e assim acontece coletivamente quando passamos a ouvir mais e melhor a voz de nosso espírito: a intuição.
Poder-se-ia argumentar então que tudo depende mesmo do ponto de vista afinal, já que o mundo é visualizado e sentido de modo distinto pelas pessoas. Mas não. Essa é apenas uma particularidade do saber, do modo como tomamos conhecimento das coisas. A realidade última permanece exatamente determinada, una e indivisível, maior que nós e perfeita, vislumbrada ao longe de diferentes maneiras pelas lentes individuais de cada espírito em desenvolvimento.
Cultivar a ideia de que a existência das coisas depende exclusivamente de como as vemos, de pontos de vista tão mutáveis e divergentes, pode não só nos deixar na superficialidade dos acontecimentos, como paralisar nosso desenvolvimento pessoal e espiritual.
Pontos de vista nunca podem traduzir a realidade absoluta, porque a visão humana parcial não está capacitada a abarcar o integral. Porém, essa inamovível realidade se nos tornará cada vez mais nítida e compreensível se trilharmos o caminho da ascensão espiritual, conservando nossa vontade interior sempre pura e voltada para o bem. Desse modo, também nossos pontos de vista se elevarão paulatinamente, trazendo-nos um melhor reconhecimento sobre muitos assuntos.
Caroline Derschner
Roberto C. P. Junior
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