Porque me irrito com facilidade?
O nível de irritabilidade pode variar de uma simples bufada até a um ataque de fúria devastador, sendo que o último costuma vir acompanhado de uma crise de ausência, ou seja, o indivíduo só se dá conta do que fez quando volta a si após alguns segundos ou minutos.
Nesse momento se depara com o filho chorando copiosamente encolhido no canto, com móveis quebrados, com o animal de estimação mancando, e em casos extremos, com outra pessoa desmaiada ou até mesmo morta diante de si. Nessa reflexão não cabe incluir a influência de substâncias químicas como cocaína e álcool no processo, pois falarei apenas da raiva nua e crua.
Nesse momento se depara com o filho chorando copiosamente encolhido no canto, com móveis quebrados, com o animal de estimação mancando, e em casos extremos, com outra pessoa desmaiada ou até mesmo morta diante de si. Nessa reflexão não cabe incluir a influência de substâncias químicas como cocaína e álcool no processo, pois falarei apenas da raiva nua e crua.
Nossa essência animalizada traz como herança ancestral o instinto ou pulsão de vida, energias inconscientes que não podem ser controladas quando na presença de uma situação letal.
Uma pessoa que está infartando não conseguirá simplesmente sentar e assistir televisão, alguém que está em um carro desgovernado fará o possível para controlá-lo novamente, pois sua mente dará todos os comandos possíveis visando salvar o corpo de qualquer situação de perigo e uma das ferramentas utilizadas para que isso possa acontecer é a raiva.
Durante a raiva ganhamos força, tenacidade e coragem acima do habitual como podemos notar em relatos de mães sedentárias que se viram erguendo centenas de quilos para tirar o filho que estava sob escombros.
Uma pessoa que está infartando não conseguirá simplesmente sentar e assistir televisão, alguém que está em um carro desgovernado fará o possível para controlá-lo novamente, pois sua mente dará todos os comandos possíveis visando salvar o corpo de qualquer situação de perigo e uma das ferramentas utilizadas para que isso possa acontecer é a raiva.
Durante a raiva ganhamos força, tenacidade e coragem acima do habitual como podemos notar em relatos de mães sedentárias que se viram erguendo centenas de quilos para tirar o filho que estava sob escombros.
As reações fisiológicas são mecânicas, o corpo por si só não possui capacidade de raciocinar ou abstrair, ele apenas pode ser condicionado pela repetição e norteado pelo mecanismo de homeostase que visa manter um constante equilíbrio de suas funções, logo ele reagirá de acordo com o valor que se dá ao estímulo e não ao seu real tamanho, não importando se a ameaça vem de uma abelha ou de um elefante. Sendo assim, é possível entender porque uma pessoa de 30 anos sente-se tão ameaçada por uma criança de 5 a ponto de espancá-la e que tipo de estímulo fatal está sendo interpretado pela mente em determinada situação que pode levar alguém a desconfigurar o rosto de outro pessoa com as próprias mãos pura e simplesmente por uma fechada no trânsito ou por um comentário deixado na foto de alguém.
É possível dizer que o grau de raiva que pode ser alcançado é inversamente proporcional à maturidade do indivíduo, pois, quanto mais frágil e insegura a pessoa é mais ameaçada ela se sentirá e, consequentemente, de forma mais violenta reagirá. Muitas vezes essa violência vem de um homem alto, forte, com cara de mau que parece ser seguro e bem resolvido e por isso fica difícil enxergar ali uma criança atemorizada que precisa se defender de tudo, pois está sempre se sentindo ameaçada.
Como proceder então para trabalhar esse desequilíbrio alcançando uma maturidade que permita ao indivíduo reduzir o nível de alerta?
O primeiro passo, como tudo em terapia, é mapear o quadro da forma mais neutra possível. O que muitos não percebem é que existe uma variável importantíssima nessa processo chamada ressentimento. Trata-se de um hábito – vício em alguns casos – de ressentir situações traumáticas e abusivas oriundas do passado no aqui-agora. É necessário compreender que tipo de estímulo é visto como agressivo e ameaçador para encontrar uma conexão com vivências anteriores. Por exemplo, imagine que quando criança o indivíduo ouvia de seus pais frases como estas:
– Você só nos dá trabalho! Na sua idade seu irmão já se virava sozinho!
– Seu primo passou direto de ano e você aí de recuperação, deveríamos sair de férias sem você para apender a ser melhor!
Frases assim movimentam também a raiva na criança que pode ser para consigo mesma por não ter dado conta, contra o irmão e o primo por terem dado e até mesmo contra os professores e a escola no segundo exemplo. Como é pequena e impotente diante de seus pais ela nada pode fazer a não ser guardar aquela memória em seu inconsciente, em sua sombra psíquica. Várias situações parecidas se repetem ao longo de sua vida sem que ela possa efetivamente mudar o mundo à sua volta e mudar a si mesma nem sempre é uma opção durante a juventude.
Quando essa criança se torna adulta e tem filhos, os estímulos se modificam na forma, mas não na essência, ou seja, ela pode novamente se deparar com a situação de ver-se inferior a alguém. Ela vai até a casa de seu amigo que tem crianças na mesma idade e percebe que estas são menos “endiabradas” e mais obedientes que as suas, e assim como na sua infância, sente-se inferior, pois compara-se com o amigo. Uma vez diante do mesmo fenômeno (o da comparação) sua mente oferece a mesma resposta, a raiva. A diferença é que dessa vez ela tem potência e força para lutar contra quem ela pensa estar causando a raiva, neste caso, os filhos. Ela não os agredirá na frente do amigo, mas no primeiro deslize quando estiverem voltando para casa explodirá como uma dinamite dizendo frases como:
– Parem! Fiquem quietos! Será que vocês não conseguem se comportar? Eu vou abrir a porta desse carro e deixar vocês aqui na rua se não calarem a boca!
Isso é ressentimento, ela voltou a sentir a mesma impotência que experimentou na infância e como consequência movimentou a mesma raiva. À época não podia reagir assim contra seus pais, professores ou irmãos, e mesmo que o fizesse, seria taxada de problemática e sofreria graves punições, mas agora ela “pode”, pois está dentro de um carro, sem testemunhas que possam condená-la e com a certeza de que não será contra atacada.
Essa forma de enxergar o processo é meramente didática e simplista, é evidente que a terapia é uma construção individual e nem sempre o que serve para uma pessoa é útil para outra, mas é possível produzir insights valiosos tomando como alicerce esse ponto de vista. Tratar a raiva apenas pela raiva ou por técnicas meditativas pode reduzir a presença de sintomas externos, mas em alguns casos essa energia mantêm-se em nível inconsciente atacando seu portador, em outras palavras, a pessoa não mais explode, mas com o tempo acaba implodindo em diabetes, hipertensões, infartos, aneurismas, abuso de substâncias e alimentos, etc.
Uma vez mapeados os gatilhos que movimentam a raiva já existente fica mais fácil rastrear seus elos até o momento de sua criação, ou ao menos até o fenômenos de maior importância nesse quadro. Em suma, não se trabalha a raiva que se possa ter dos filhos ou da esposa, pois estas são meras projeções da raiva que se tem dos pais, de Deus ou de figuras e situações do passado. A ressignificação do sentir pelo perdão liberta essa energia, e não havendo mais como movimentá-la, os mesmos estímulos que em outros momentos levavam ao enfurecimento não terão mais tal poder.
Crescer é tarefa difícil, pois nos convida a abrir mão de vários confortos e ideias, mas é a única forma de nos tornarmos mais amorosos e menos violentos para com os outros e para conosco. Quando a raiva vier lembre-se que seu filho não é seu pai, sua esposa não é sua impotência e seu cachorrinho não é sua tristeza.
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Sobre o autor: Vítor Antenore é psicólogo e escritor do livro “A Angústia do Crescer”.
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