TEXTO DO LIVRO
AMAR PODE DAR CERTO
Roberto Shinyashiki &
Eliana Bittencourt Dumêt
A ARTE DE VIVER JUNTOS
Quem trai seu amor por vaidade é um desconhecedor
da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que
traz um só amor
VINICIUS DE MORAES
Muitas pessoas formam um casal pensando que vão iniciar uma
grande brincadeira cujo objetivo maior é o prazer. A experiência mostra
que aqueles que pensam apenas no gozo são os que mais sofrem numa
relação. Depois de algum tempo vêm as insatisfações, as frustrações, as
cobranças, a rotina e o tédio. A pessoa se sente como um peixe apanhado
no anzol: tentou comer a minhoca e acabou virando comida de pescador!
Quando duas pessoas desejam se unir, devem criar um espaço no
qual possam desenvolver a capacidade de viver a dois, buscar soluções
criativas à medida que os obstáculos aparecem e aprender a desfrutar
todas as for mas de viver com amor.
Após a grande liberação sexual dos anos 60 e 70, ficou fácil para as
pessoas se encontrar e ter relacionamentos ocasionais, em que aliviam as
tensões, conhecem gente diferente e gozam de momentos agradáveis. Mas,
ao mesmo tempo, cada vez mais, elas sofrem com a "ressaca sexual" —
aquela sensação de vazio, culpa e insatisfação que acompanha tais
relacionamentos. A pessoa acorda de manhã e se pergunta: "Meu Deus, o
que estou fazendo nesta cama, ao lado desta pessoa?" Já dizia um poeta:
"Deitei ao lado de um corpo e acordei à beira de um abismo..."
A ressaca sexual aparece toda vez que se comete uma agressão
íntima contra si mesmo e, sem dúvida, é um aviso de que é preciso ser
mais cuidadoso. No passado, muitas pessoas experimentavam a "ressaca
moral" por ter transgredido uma regra aprendida na infância, como a
norma de que se deve ser fiel ao esposo ou praticar sexo apenas depois do
casamento. Mas hoje o que nos chama a atenção é a ressaca sexual, cada
vez mais experimentada por mulheres e homens que tiveram um grande
número de relações superficiais e passageiras.
Passada a euforia da "libertação sexual", as pessoas estão sentindo
falta de relações profundas e sólidas!
Estar com alguém plenamente é um caminho de crescimento, um
aprendizado de viver a dois; é a possibilidade de vencer o medo da
entrega e de se conhecer no mais íntimo.
Conviver com alguém que amamos é o mesmo que comprar um
imenso espelho da alma, no qual cada um dos nossos movimentos é
mostrado sem a mínima piedade. Ao mesmo tempo que conhecemos
melhor o outro, entramos em contato com nossas inseguranças também. E
aí começa o inferno... Em vez de encarar a verdade e de ver a imagem
temida do verdadeiro eu, tenta-se quebrar o espelho.
Como é possível quebrar esse espelho? Há muitas formas, porém as
mais freqüentes são: fugir da intimidade, culpar o outro, não assumir as
próprias responsabilidades na relação e desacreditar o amor.
Viver com alguém que se ama não é só uma oportunidade de
conhecer o outro, mas também a maior chance de entrar em contato
consigo mesmo. Apenas quando conseguimos nos enxergar por inteiro é
que percebemos o medo de nós mesmos e nos damos conta de que
precisamos evoluir para nos tornar pessoas melhores. Começamos, então,
a nos capacitar para o amor.
Um dia, perguntaram a um grande mestre quem o havia ajudado a
atingir a iluminação, e ele respondeu:
"Um cachorro"
Os discípulos, surpresos, quiseram saber o que havia acontecido, e o
mestre contou: "Certa vez, eu estava olhando um cachorro, que parecia
sedento e se dirigia a uma poça d’água. Quando ele foi beber, viu sua
imagem refletida. O cachorro, então, fez uma cara de assustado, e a
imagem o imitou. Ele fez cara de bravo, e a imagem o arremedou. Então,
ele fugiu de medo e ficou observando, distante, durante longo tempo, a
água. Quando a sede aumentou, ele voltou, repetiu todo o ritual e fugiu
novamente. Num dado momento, a sede era tanta que o cachorro não
resistiu e correu em direção à água, atirou-se nela e saciou sua sede. Desde
esse dia, percebi que, sempre que eu me aproximava de alguém, via
minha imagem refletida, fazia cara de bravo e fugia assustado. E ficava, de
longe, sonhando com esse relacionamento que eu queria para mim. Esse
cachorro me ensinou que eu precisava entrar em contato com a minha
sede e mergulhar no amor, sem me assustar com as imagens que eu ficava
projetando nos outros’
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