A Família Tem Uma Tarefa Psicossocial
Os valores transmitidos pela família têm correlação com uma de suas principais tarefas, que é a tarefa psicossocial de apoiar seus membros. Na família se inicia a constituição da identidade e, por isso, ela se apresenta como o primeiro laboratório social. A família é o berço que embala para a vida, que promove a noção de individualidade e o processo de socialização.
Os pais são os principais referenciais na aquisição desse código e ensinam para muito além das palavras. Eles são uma didática viva do exemplo, especialmente por meio de suas posturas. Os valores sedimentados na vivência familiar, seja de forma consciente ou não, servirão como um importante guia para as escolhas que o ser humano faz, para as suas ações e a determinação do próprio curso de sua vida. De acordo com essa perspectiva, os valores frágeis que uma sociedade apresenta têm uma importante correlação com a transmissão dos valores a partir do sistema familiar.
Valores frágeis e distorcidos
Para o psiquiatra e professor Enrique Rojas (2013) os valores frágeis e distorcidos contêm em seu bojo, de forma expressiva, o hedonismo, o narcisismo, a permissividade, o materialismo, o individualismo e o relativismo. O autor sinaliza que a existência pautada por esses valores fragiliza a vida e os relacionamentos. Para ele, um sujeito vagante sem vínculos, apenas ensimesmado de forma irrefreada na busca pela obtenção de seu próprio prazer e felicidade, em que o outro é mero recurso para isso, acaba descobrindo uma vida sem amor, sem pontos de apoio e sem consistência. Rojas analisa que um sujeito que assume valores tão frágeis e distorcidos para sua vida, desemboca no tédio, na indiferença e no ceticismo, podendo mesmo tornar-se autodestrutivo.
Valores consistentes
O professor Rojas enfatiza a necessidade de uma mudança comportamental que conduza a um patamar de convivência, em que se considera a autenticidade da existência humana, numa vivência de relacionamentos mais autênticos. Dessa forma, novas posturas, pautadas por valores consistentes poderiam ser antídotos para as relações superficiais e descartáveis. Os valores consistentes fundamentam a vida numa ótica relacional, tanto na família como na sociedade. Nessa perspectiva, a ética tempera os relacionamentos com solidariedade, empatia, amorosidade e respeito. Além disso, esses valores consideram que a importância da vida ultrapassa ao que se vê e se apalpa em um momento concreto. Assim, os valores consistentes também carregam em seu bojo os valores imateriais. Esses também apresentam as perspectivas do papel da espiritualidade e da eternidade para a existência humana.
Valores relacionais consistentes
São valores que transmitem maneiras de vivenciar os relacionamentos, tais como: parceria, partilha, generosidade, solidariedade, afetividade, compaixão, bondade, perdão, amor, diálogo, empatia, assertividade, domínio próprio, solicitude, acolhimento, aceitação, cuidado, pertencimento, altruísmo, encontro, socialização, diferenciação, fronteiras familiares e fronteiras relacionais.
Valores éticos e morais consistentes
São valores que transmitem posturas relacionadas à: justiça, respeito, honra, nobreza, caráter, honestidade, responsabilidade, limites, liberdade, individualidade, coletividade, trabalho, conduta, cultura, costumes, tabus, juízos, conceitos, convenções, sociedade, defesa, controle, organização, monitoria, direitos e deveres.
Valores imateriais consistentes
São valores que transmitem os preceitos que envolvem espiritualidade, crenças, transcendência, eternidade, comunidade, subjetividade, importância do “ser”, sentido da vida, solitude, contemplação, meditação, gratidão, saúde, comunhão, autoconhecimento, individuação, identidade, confiança, autoconfiança, autoestima, resiliência, sabedoria, inteligências, habilidades, conhecimentos, estudos, educação, vida, morte e natureza.
Fidelidade aos valores transmitidos pela família
Comumente os valores transmitidos pela família aos seus filhos, se apresentam como mandatos para o curso da vida. O aprendido em família pode se configurar em um padrão familiar a ser seguido de forma fidelizada. Isso inclui os valores frágeis e distorcidos vividos em família, que retroalimentaram ou nutriram dinâmicas relacionais disfuncionais que trouxeram ou trazem muito desconforto. Por uma simples razão: é o que se aprendeu, portanto, se reproduz.
Obviamente aqueles valores aprendidos, que trazem boas heranças e servem de guia para escolhas mais assertivas para o curso da vida, devem ser nutridos, mantidos e fortalecidos. No entanto, aqueles valores herdados, que insistem em manter posturas que direcionam para escolhas desviantes de uma vida com sentido, e que fomentam a vivência de relacionamentos tóxicos, devem ser revisados. Mesmo assim, é necessário haver muita cautela ao se confrontar os valores familiares, porque revisá-los não significa abandonar todo o aprendido em família. Especialmente porque o abandono de valores consistentes, para se assumir valores frágeis e distorcidos, pode trazer muitos desconfortos, quando não, verdadeiras angústias.
Valores transmitidos pela família
Os valores transmitidos pela família (se são frágeis e distorcidos ou consistentes) dependem das crenças, dos mitos que orientam suas interações, tanto na relação intra como extra familiar. Isso se mostrará na maneira como a família promove a ética e a moral em seu padrão comportamental e relacional, e mesmo na maneira como vivencia e experimenta o sentido da vida. Não somente os valores consistentes podem ser transmitidos, mas os frágeis e distorcidos igualmente. Obviamente que os valores do meio extra familiar também trazem sua influência para as escolhas ao longo da vida. No entanto, as influências dos valores transmitidos a partir do ambiente familiar são as de maior influência. Por isso, é muito importante fazer revisão dos valores. Dessa forma, a família fica mais suscetível à evolução e ao crescimento de todos os membros da família.
Revendo os valores transmitidos pela família
Cada família, inevitavelmente, transmite os seus valores, estando seus membros conscientes disso ou não. Mesmo quando os adultos da casa, que são os pais, se mostrarem incoerentes na maneira de viver, transmitirão valores aos filhos. Famílias que fazem revisões dos valores que transmitem para as gerações futuras, contribuem para a formação de seres humanos mais realizados. Não se trata dos bens materiais que os filhos herdarão, mas da herança de valores consistentes que enobrecem a vida humana e a sociedade. A revisão dos valores vividos em família não deveria ser uma tarefa para o futuro, mas para hoje. Possivelmente, nisso há alguma esperança para a sociedade humana em suas futuras gerações. E essa é uma tarefa para todos.
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Referência
ROJAS, E. O Homem Moderno. 2.ª ed. Curitiba: Editora do Chain, 2013.
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