Perdido em meio ao caos, o senhor daquelas terras consultou todos os seus conselheiros, mas nenhum foi capaz de oferecer uma solução.
Desesperado, partiu em uma jornada, na companhia do único servo em quem ainda confiava plenamente.
Seguiram para o topo de uma montanha conhecida pelos perigos que escondia, situada em uma área para lá de remota. Foram em busca de um velho homem que, dizia a lenda, já caminhava pela terra havia mais de um século, tendo se isolado da humanidade e já fazia algumas dezenas de anos, em um tipo de retiro espiritual, só que permanente.
O rei estava disposto a fazer o que fosse preciso para salvar seu povo e o império, mesmo que isso significasse arriscar a própria vida para ouvir o misterioso sábio.
O percurso foi árduo. Caminharam dias a fio, enfrentando animais silvestres e o frio intenso, sem contar o receio de, a qualquer momento, sofrerem ataques de inimigos.
Após uma semana de tensão e desgaste físico, finalmente chegaram à casa do EREMITA.
Era uma pequena cabana de madeira, que parecia extremamente frágil, sobretudo em um ambiente hostil como aquele do topo da montanha, mas ,que surpreendentemente se mantivera de pé por décadas.
O ancião se encontrava sentado em frente a uma lareira, de costas para a porta, bebericando o que parecia ser chá.
Cansado da viagem, o monarca foi direto ao ponto: “Velho Sábio, minha família governa esta região há séculos e agora nosso povo está sob grave ameaça. Qual conselho você me daria para lidar com este tempo de dificuldade e salvar o meu reino?”
O ermitão, que aparentava mesmo ter passado dos cem anos de idade, virou-se e, olhando nos olhos do visitante, disse apenas: “Como tudo em sua vida, isso também passará”.
Não podia ser! Tanto esforço para nada?! O soberano não se conteve: “Só isso? Que conselhos você me dá para que isso passe o quanto antes?” A resposta foi, mais uma vez, desconcertante: “É só isso. O resto você vai descobrir. Leve esta carta e abra-a quando você estiver vivendo momentos de glória.”
Furioso, o senhor feudal pegou o pedaço de papel e se retirou na velocidade de um raio. A sós com o servo, desabafou: “Não me importa o conselho desse sábio maluco. Arriscamos nossa vida por nada. Jogue isso fora!”. Mas o escudeiro, que, embora não tivesse educação formal, era bastante experiente e conhecia seu mestre desde que este não passava de uma criança, desobedeceu à ordem. Guardou a carta.
De volta ao castelo, o rei ficou remoendo a informação por algum tempo: “Velho maluco! Como as coisas vão passar se eu não fizer nada? Estarei morto!” Frustrado, resolveu parar de pensar no assunto e focar em ações. “Se for para morrer, que seja tentando”.
E foi assim que o líder daquele povo – ele mesmo dotado de virtudes notáveis, como grande inteligência e capacidade de gestão, além de reconhecida eloquência, graças a anos de muito estudo e preparação para o posto de soberano – lançou-se ao trabalho. Estruturou um plano de ação, determinado a combater as quatro frentes críticas que ameaçavam o império: a doença misteriosa, a traição dos nobres, a fome que assolava o povoado e a ameaça do inimigo.
O plano começou a surtir efeitos em poucas semanas. Homens, mulheres e crianças foram retomando a saúde, e a doença finalmente acabou contida. A segurança real identificou cada um dos traidores. O inverno terminou, e a terra, semeada, voltou a pôr o alimento nas mesas. O inimigo desistiu do ataque, concluindo que teria enorme chance de falhar, especialmente agora, restabelecida a força do vizinho.
Feliz com a reviravolta, o senhor do recém-recomposto império se lembrou do solitário homem da montanha, ainda com algum rancor, mas ao mesmo tempo com admiração. “Como tudo em sua vida, isso também passará…”
Uma grande festa foi organizada. Havia muito que comemorar, e o governante se sentia intocável. Seu fiel servo percebeu, então, que era hora de lhe devolver a carta entregue pelo velho sábio. O rei ficou furioso. “Eu mandei você jogar isso fora!”, gritou. “Peço desculpas, mestre, mas entendi que era para o seu bem. Lê-la não vai atrapalhar agora. Afinal, estamos no auge do império”, respondeu o criado.
Cedendo, o monarca abriu a carta e leu: “Como tudo em sua vida, isso também passará.”
E eis que tudo fez sentido. Os pés do rei voltaram ao chão. Subitamente, ele não se sentia mais invencível. Retomou o estado de alerta, reativou todo o instinto de autopreservação. Não deixou de aproveitar a festa; ao contrário, enxergou o momento como uma oportunidade única, que, por ser rara, não exigia o cometimento de excessos, e nem mesmo abaixar a guarda. O rei curtiu a celebração com os olhos abertos, presente em cada instante. Para ele a lição era cristalina: o momento de pujança também passaria, como passara o de aflição, tristeza, morte e medo. Era preciso tomar cuidado, sempre. Novas doenças poderiam se espalhar. Outros traidores poderiam se revelar. Ameaças inimagináveis poderiam surgir.
Compreender que nada é definitivo fez um enorme bem àquele rei. De fato, meses mais tarde, descobriu-se que, na noite da festa, um traidor ainda não capturado havia planejado cometer regicídio, mas, como o monarca demonstrava estar bastante atento a tudo e a todos, não conseguira nem mesmo se aproximar dele.
Olá, caro leitor. Escrevi essa história inspirado numa parábola conhecida como A Lenda do Anel do Rei. Não há muita certeza acerca da autoria do conto original, que nos ensina uma máxima muito simples, mas ao mesmo tempo profunda: tudo na vida passa, tanto as piores como as melhores fases. Acredito que essa lição pode funcionar como um divisor de águas em sua trajetória, por isso quis compartilhá-la em nossa conversa semanal.
Você notou como o protagonista da narrativa perdeu tempo em conversas infrutíferas, na esperança de obter alguma fórmula mágica para seus problemas? Percebeu como isso o levou a retardar a ação? Ficou claro como ele tinha, sim, competência para enfrentar as dificuldades desde o começo, mas não conseguia enxergar isso? Veja bem: não se trata de ignorar o poder dos conselhos vindos de quem é mais experiente do que nós, mas de estar atento à hora certa de deixar a conversa de lado e pôr a mão na massa.
Para dizer o óbvio, entender que nada é definitivo pode nos ajudar a manter o foco. O que é importante agora? Talvez vivenciar um luto que nos tenha sido imposto, e só depois seguir nossa jornada? Talvez trabalhar arduamente para pagar as contas? Talvez aprimorar nossos maiores talentos, na procura incansável por melhores condições de vida? Seja o que for, compreender que qualquer “urgência” é passageira nos dá paz de espírito, tranquilidade, o que é essencial na tomada de decisões.
Olhe um instante para trás,
analisando sua existência até aqui.
Tudo passa, não é mesmo?
E é justamente por isso que a
vida é tão bela.
A verdade é que, mal nascemos, começa a correr a contagem regressiva em nosso relógio pessoal. O fim, todos nós sabemos qual é; só o caminho é de todo incerto, cabendo a nós planejar o melhor percurso. O tempo é precioso demais num contexto em que tudo passa, e rápido. Se é assim, não podemos nos dar ao luxo de desperdiçá-lo com bobagens. Nada de perder o sono inutilmente. Nada de se “pré-ocupar” com algo que ainda não ocorreu. Nada de viver de “ses”! Por outro lado, há detalhes valorosos demais ao nosso redor que não temos o direito de ignorar. Refiro-me a um pôr do sol especial, a um almoço com os pais, à água do mar molhando nossos pés… Tudo passa, e mais rápido do que pode ser desejável, então nada de reservar sua melhor louça apenas para os dias de visita; use-a no dia a dia, mesmo que esteja sozinho. Também não seja tão crítico consigo mesmo, tampouco deixe de pedir desculpa de vez em quando, ou de perdoar. Jamais pare de sonhar com algo mais. Jamais desista de tentar. Tudo passa rápido demais, e o arrependimento é um dos piores sentimentos que existe.
Está em um momento particularmente difícil? Conforte-se, sabendo que ele vai passar. Mas não baixe a guarda, pois uma fase boa também passa. É o ciclo da vida. Esteja preparado para ele.
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