CAPITULO III O BEM E O MAL - ORIGEM DO BEM E DO MAL
1. - Sendo Deus o princípio de todas as coisas, e
sendo este princípio todo sabedoria, todo bondade, todo justiça, tudo o que
dele procede deve participar de seus atributos, por que é infinitamente sábio,
justo e bom, nada pode produzir de insensato, de mau e de injusto. O mal que
observamos não deve, pois, ter a sua fonte nele.
2. - Se o mal, estando nos atributos de um ser
especial que se chama Arimane ou Satã, de duas coisas uma: ou esse ser seria
igual a Deus e, conseqüentemente, tão poderoso quanto ele, e de toda a
eternidade igual a ele, ou lhe seria inferior. No primeiro caso, haveria duas
potências rivais, lutando sem cessar, cada uma procurando desfazer o que a
outra f az, e se opondo mutuamente. Esta hipótese é inconciliável com a unidade
de vistas que se revela na disposição do Universo. No segundo caso, esse ser,
sendo inferior a Deus, ser-lhe-ia subordinado; não podendo ter sido igual a
ele, de toda a eternidade, sem ser seu igual, teria um começo; se foi criado,
não pode tê-lo sido senão por Deus; Deus teria, assim, criado o Espírito do
mal, o que seria negação da infinita bondade. (Ver O Céu e o Inferno Segundo o
Espiritismo, cap. X, Os Demônios).
3. - Entretanto, o mal existe e tem uma causa. Os
males de todas as espécies, físicos ou morais, que afligem a Humanidade,
apresentam duas categorias que importa distinguir: são os males que o homem
pode evitar, e aqueles que independem da sua vontade. Entre estes últimos, é
preciso colocar os flagelos naturais. O homem, cujas faculdades são limitadas,
não pode penetrar, nem abarcar, o conjunto dos objetivos do Criador; julga as
coisas sob o ponto de vista da sua personalidade, dos interesses factícios e da
convenção que se criou, e que não estão na ordem da Natureza; por isso é que
ele acha, frequentemente, mau e injusto, o que acharia justo e admirável se lhe
visse a causa, o fim e o resultado definitivo. Procurando a razão de ser e a
utilidade de cada coisa, reconhecerá que tudo leva a marca da sabedoria
infinita, e se inclinará diante dessa sabedoria, mesmo para as coisas que não
compreende.
4. - O homem recebeu, em herança, uma inteligência
com a ajuda da qual pode conjurar, ou pelo menos grandemente atenuar os efeitos
de todos os flagelos naturais; quanto mais ele adquire saber e avance em
civilização, menos esses flagelos são desastrosos; com uma organização social
sabiamente previdente, poderá mesmo neutralizar-lhes as consequências, quando
não puderem ser inteiramente evitadas. Assim, para esses mesmos flagelos, que
têm a sua utilidade na ordem da Natureza e para o futuro, que ferem no
presente, Deus deu ao homem, pelas faculdades com as quais dotou o seu
Espírito, os meios de paralisar-lhes os efeitos. Assim é que ele saneia os
continentes insalubres, neutraliza os miasmas pestilentos, fertiliza as terras
incultas e se esforça por preservá-las das inundações; que construiu habitações
mais sadias, mais sólidas para resistirem aos ventos, tão necessários para a
depuração da atmosfera, que se coloca ao abrigo das intempéries; foi assim,
enfim, que, pouco a pouco, a necessidade fê-lo criar as ciências, com a ajuda
das quais melhora a habitabilidade do globo, e aumenta a soma do seu bem-estar.
5. - Devendo o homem progredir, os males, aos quais
está exposto, são um estimulante para o exercício da sua inteligência, de todas
as suas faculdades, físicas e morais, iniciando-o na pesquisa dos meios para
deles subtrair-se. Se não tivesse nada a temer, nenhuma necessidade o levaria à
procura dos meios, seu espírito se entorpeceria na inatividade; não inventaria
nada e não descobriria nada. A dor é o aguilhão que impele o homem para a
frente, no caminho do progresso.
6.-Mas os mais numerosos males são aqueles que o
homem cria para si mesmo, pelos seus próprios vícios, aqueles que provêm de seu
orgulho, de seu egoísmo, de sua ambição, de sua cupidez, de seus excessos em
todas as coisas; aí está a causa das guerras e das calamidades que elas
arrastam, dissenções, injustiças, opressão do fraco pelo forte, enfim, a
maioria das doenças. Deus estabeleceu leis, plenas de sabedoria, que não têm
por objetivo senão o bem; o homem encontra, em si mesmo, tudo o que é
necessário para segui-las; sua rota está traçada pela sua consciência; a lei
divina está gravada no seu coração; e, além disso, Deus o chama, sem cessar,
através dos seus messias e profetas, por todos os Espíritos encarnados que
receberam a missão de esclarecê-lo, moralizá-lo, melhorá-lo, e, nestes últimos
tempos, pela multidão de Espíritos desencarnados que se manifestam por toda
parte. Se o homem se conformasse, rigorosamente, com as leis divinas, não há
dúvida de que evitaria os mais pungentes males, e que viveria feliz sobre a
Terra. Se não o faz, e em virtude do seu livre arbítrio, e, disso sofre as
consequências. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. V, n°s 4, 5, 6 e
seguintes).
7. - Mas Deus, cheio de bondade, colocou o remédio
ao lado do mal, quer dizer, do próprio mal faz sair o bem. Chega um momento em
que o excesso do mal moral se torna intolerável, e faz o homem sentir o desejo
de mudar de caminho; instruído pela experiência, é compelido a procurar um
remédio no bem, sempre por efeito do seu livre arbítrio; quando entra num
caminho melhor, é pelo fato da sua vontade e porque reconheceu os
inconvenientes do outro caminho. A necessidade o constrange, pois, a se
melhorar moralmente, para ser mais feliz, como esta mesma necessidade o constrange
a melhorar as condições materiais da sua existência.
8. - Pode-se dizer que o mal é a ausência do bem,
como o frio é a ausência do calor. O mal não é mais um atributo distinto do que
o frio não é um fluido especial; um é o negativo do outro. Aí, onde o bem não
existe, existe forçosamente o mal; não fazer o mal, já é o começo do bem. Deus
não quer senão o bem; só do homem vem o mal. Se houvesse, na criação, um ser
predisposto ao mal, nada poderia evitá-lo; mas o homem, tendo a causa do mal em
SI MESMO, e tendo, ao mesmo tempo, seu livre arbítrio e, por guia, as leis
divinas, evitá-lo-ia quando quisesse.
Tomemos um fato vulgar por comparação. Um
proprietário sabe que, na extremidade do seu campo, há um lugar perigoso, onde
poderia perecer ou se ferir aquele que ali se aventurasse. O que faz, para
prevenir os acidentes? Coloca, perto do local, um aviso tornando proibido ir
mais longe, por causa do perigo. Eis a lei; ela é sábia e previdente. Se,
malgrado isso, um imprudente não o tem em conta, e passa alem, se lhe ocorre
algo mal, a quem pode imputar senão a si mesmo?
Assim ocorre com todo o mal; o homem o evitaria, se
observasse as leis divinas. Deus, por exemplo, colocou um limite à satisfação
das necessidades; o homem é advertido pela saciedade; se ultrapassa esse
limite, o faz voluntariamente. As doenças, as enfermidades, a morte, que lhe
podem ser consequentes, são, pois, o fato da sua imprevidência, e não de Deus.
9. - O mal, sendo o resultado das imperfeições do
homem, e o homem, sendo criado por Deus, Deus, dir-se-á, se não criou o mal,
pelo menos a causa do mal; se houvesse feito o homem perfeito, o mal não
existiria. Se o homem tivesse sido criado perfeito, seria levado, fatalmente,
ao bem: ora, em virtude o seu livre arbítrio, ele não é levado, fatalmente, nem
ao bem nem ao mal. Deus quis que fosse submetido à lei do progresso, e que,
esse progresso fosse fruto do seu próprio trabalho, afim de que, dele, tivesse
o mérito, do mesmo modo que carrega a responsabilidade do mal que é o fato da
sua vontade. A questão, pois, é saber qual é, no homem, a fonte da propensão
para o mal (O erro consiste em pretender que a alma tenha saído perfeita das
mãos do Criador, ao passo que este, ao contrário, quis que a perfeição fosse o
resultado da depuração gradual do Espírito e sua própria obra. Deus quis que a
alma, em virtude do seu livre arbítrio, pudesse optar entre o bem o mal, e que
ela chegasse aos seus fins últimos por uma vida militante e resistindo ao mal.
Se tivesse feito a alma perfeita, como ele, e que, saindo das suas mãos, a
tivesse associado à sua beatitude eterna, não a teria feito à sua imagem, mas
semelhante a ele mesmo. (Bonnamy, juiz de instrução: A Razão do Espiritismo
cap. VI).)
10. - Se se estudam todas as paixões, e mesmo todos
os vícios, vê-se que têm seu princípio no instinto de conservação. Este instinto
está, com toda a sua força, nos animais e nos seres primitivos que mais se
aproximam da animalidade; aí só ele domina, porque, neles, não há ainda, por
contrapeso, o senso moral; o ser ainda não nasceu para a vida intelectual. O
instinto se enfraquece, ao contrário, à medida que a inteligência se
desenvolve, porque esta domina a matéria.
O destino do homem é a vida espiritual; mas, nas
primeiras fases da sua existência corpórea, não há senão necessidades materiais
a satisfazer, e, para esse fim, o exercício das paixões é uma necessidade para
a conservação da espécie e dos indivíduos, materialmente falando. Mas, saído
desse período, há outras necessidades, necessidades primeiro semi-morais e
semi-materiais, depois, exclusivamente morais. E, então, quando o Espírito
domina a matéria; se lhe sacode o jugo, avança no caminho providencial, e se
aproxima da sua destinação final.
Se, ao contrário, se deixa dominar por ela, se
atrasa assimilando-se ao animal. Nessa situação, o que, outrora, era um bem,
porque era uma necessidade da sua natureza, torna-se um mal, não somente por
não ser mais uma necessidade, mas porque isso se torna nocivo à
espíritualização do ser. Tal o que é qualidade na criança e se torna defeito no
adulto. O mal, assim, é relativo, e a responsabilidade proporcionada ao grau de
adiantamento. Todas as paixões têm, pois, a sua utilidade providencial; sem
isso, Deus teria feito algo inútil e nocivo. É o abuso que constitui o mal, e o
homem abusa em virtude do seu livre arbítrio. Mais tarde, esclarecido pelo seu
próprio interesse, escolherá, livremente, entre o bem o mal.